quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Na calçada da papelaria eu sentei e chorei - Waterbrush & Aqua Brush

Eu poderia estar roubando. Eu poderia estar matando. Eu poderia até estar trabalhando. Mas estou aqui escrevendo mais um tratado post sobre... Mentira. Este post é apenas meus dois cents sobre as famigeradas, e ainda não muito conhecidas waterbrushes e aqua brushes. O que são, o que fazem, e afinal... são trapaça ou não?

Este assunto começou quando a Sakura Lucy Li no Twitter sugeriu escrever um post sobre um material que me surpreendeu quando usei. Bom, foi esse. Minha primeira waterbrush foi uma Aquash Brush da Pentel que ganhei da Usagui Chan (minha amigona, mas não vou revelar seu nome verdadeiro aqui pra não sujar a barra dela!! heheheh) em 2003. Calhou que este presente chegou na minha vida na hora certa, porque eu estava me recuperando de uma cirurgia e não podia me mover normalmente.

Eu lembro que fiquei um longo tempo olhando para aquela caneta misteriosa até entender como ela funcionava, e tomando coragem de testá-la. E vou dizer uma coisa... Eu PIREI com os resultados. Fiquei tão empolgada que além de ter agradecido MUITO a minha amiga Usagui Chan pelo presente incrível, escrevi uma carta para a Faber Castell, explicando o produto, enviando uma foto e sugerindo que eles tivessem algo parecido. Ironicamente hoje em dia - 2652412341718 anos depois - a Faber Castell tem um Pincel com Reservatório (bastante caro, diga-se de passagem) no mercado!! A possibilidade de transportar facilmente um item que simplifica TANTO o processo de pintura com aquarela é fantástica, sem falar que esse tipo de caneta permite o manuseio para quase qualquer pessoa, com ou sem restrições de movimento, com ou sem experiência com o material.

Mas vamos explicar, antes de tudo, o que é uma waterbrush. É literalmente o que diz o nome "pincel de água", pois se trata de uma caneta armada com reservatório para água, e com ponteira de nylon ou fibra natural, em forma de pincel. A água flui do depósito para a ponta por capilaridade, gravidade e também pela pressão que se exerce no depósito, apertando-o, ou pela graduação do mecanismo nos modelos de pistão. Pelo que eu li sobre o material, elas foram criadas inicialmente para facilitar a vida dos estudantes no estudo de caligrafia tradicional, sendo mais fáceis de carregar por aí do que um conjunto de pincel, água, tinta, etc. Não é surpresa, portanto, que se encontrem no mercado waterbrushes que já venham carregadas com tinta preta (ou outras cores, mais recentemente), e muito menos é surpresa que estas canetas tenham migrado para outras aplicações artísticas - aquarela, retoques, aguadas de nanquim, caligrafia, lettering, etc, tem muita coisa que se pode fazer com essa ferramenta.

Hoje em dia há mais opções de tamanhos e modelos, inclusive o tamanho do reservatório de água e o formato do pincel; da mesma forma há mais empresas fabricando, e até waterbrush sem marca definida, que podem ser chamadas de genéricas. Existe uma marca melhor do que as outras? Não. Claro, existem marcas mais respeitadas como a Pentel, porém não é a única, e se vocês querem saber a verdade, já usei mais de uma marca, e digo que existe pouca ou nenhuma diferença entre uma de "nome" e uma genérica (mais barata), pois funcionam do mesmo jeito.

Esta imagem veio lá do AliExpress, e mostra os modelos mais comuns de waterbrush, e seus traços característicos.
Os modelos de waterbrush que vocês vão encontrar mais frequentemente são os de ponta redonda (round), e além desses existem as canetas de ponta quadrada (flat), e nos dois casos são apresentados três tamanhos de ponta (pequeno, médio e grande), assim como pode variar o tamanho do depósito de água. Aqui você desencaixa o reservatório e enche de água (usando um conta-gotas, um frasco de água ou torneira mesmo).
As waterbrushes de pistão são um pouco maiores do que as plásticas. Outro diferencial é que seu corpo não desmonta. 
Menos conhecida, porém não de todo, existe o modelo de pistão. Um pouco mais longas do que as waterbrushes médias (que são aproximadamente do tamanho de uma caneta comum), elas costumam ter o pincel de cerda de pelo, e um depósito de água que é abastecido através da própria ponta - que uma vez mergulhado na água, você gira o mecanismo do pistão (que fica na extremidade traseira da caneta), o que vai puxar a água para dentro da caneta. Pelo que soube, este modelo de waterbrush é mais utilizado para caligrafia artística e pintura tradicional, como o sumi-ê. Este modelo, mesmo que o pistão e/ou a retenção de água da caneta deixem de funcionar, ainda assim você terá um pincel de pelo natural!

Detalhe do pincel de pelo natural deste modelo.
E estas na foto abaixo são as waterbrushes que tenho aqui. Todas elas são genéricas, sem marca,  e tem em média 15 centímetros de comprimento. Alguns modelos são menores, apesar de não ter diferença no desempenho.

Estas são as waterbrushes que eu tenho, e destas só uso a 2. e 3. 

1. Embora genérica, esta waterbrush azul é igualzinha ao modelo Aqua Brush da Pentel, inclusive o reservatório, que é mais gordinho.

2. Esta tem pincel de espessura média, e é a mais básica.

3. A única diferença entre esta e a anterior é o tamanho do reservatório de água, mas a ponteira é idêntica. Sendo menor, ela tem a vantagem de ser ainda mais fácil de carregar do que as outras.

E com base nos quase três anos de serviço que tive com a minha primeira waterbrush (descanse em paz, canetinha!), aqui estão meus dois cents:
  • As waterbrushes funcionam com você dando uma leve pressionada no corpo dela (ou no pistão), até umedecer a ponta, e passando a ponta sobre a tinta, e aí aplicando-a no papel (ou aplicando-a diretamente no caso do lápis de cor aquarelável). Para limpar a ponta, você pode esfregá-la de leve sobre um lenço de papel, e lembre-se de guardá-la limpa e bem tampada!
  • Uma waterbrush bem cuidada pode durar um ano, até dois. Depende muito da sua frequência de uso e de como está sendo este uso. O entupimento é o problema mais frequente, o outro problema mais comum é a ponta estragar (o que quase sempre ocorre por desgaste natural).
  • As waterbrushes funcionam com tintas baseadas em ÁGUA. O que quer dizer: lápis de cor aquarelável, aquarela em todas suas manifestações, tinta guache, têmpera, ecoline, etc.
  • As waterbrushes NÃO foram feitas para funcionar com: qualquer tipo de cola, corretivo para caneta, tinta para carimbo, tinta para pincel atômico, tinta acrílica, tinta óleo, tinta para tecido, tinta vitral, PVA, corante para material de construção (Xadrez), epóxi, verniz, etc. Estes materiais são todos pesados e/ou tem maior densidade, maior sedimentação, e/ou possuem carga polimérica alta, o que vai fazer a caneta entupir.
  • Produtos como aguarrás, , thinner, água sanitária, acetona e álcool podem prejudicar a ponta do pincel (tanto o natural quanto o sintético), ressecando-a. Embora não consiga imaginar um motivo que justifique colocar isso em uma waterbrush, eu não duvido da criatividade diabólica de ninguém, por isso fica o recado.
  • A título de informação, em um uso extremamente específico (e mais ou menos fora do tópico de desenho e pintura), há pessoas que usam waterbrushes carregadas com óleo de máquina para lubrificar de maneira específica componentes mecânicos menores. Lembrando que a caneta que for usada assim não terá outra função além desta.
  • Eu sempre trabalhei apenas com água no reservatório da caneta, mas como já citei, algumas waterbrushes já são encontradas no mercado abastecidas com tinta.
  • Se você planeja carregar a sua waterbrush com tinta ao invés de água, você tem algumas opções seguras: nanquim Trident (o mesmo que abastece as canetas Desegraph), tinta líquida para sumi-ê, tinta para caneta-tinteiro, aquarela líquida e (acredite) café coado sem açúcar. Os mais bravos utilizam nanquins de outras marcas, porém acrescentando gotas de um produto chamado Flow Aid, que tem a função de aumentar a fluidez de algumas substâncias. Mesmo com estes cuidados, o risco de entupir a sua caneta existe.
ISTO é Flow Aid, conhecido também como "água molhada". Ele serve para aumentar a fluidez dos líquidos, e nunca vi para vender no Brasil (mas sei lá... vai que alguém dá sorte?!). E existe uma versão de Flow Aid de fabricação caseira, mas isso é assunto para outro post...
  • Ao citar aquarela líquida no tópico acima, eu NÃO estou dizendo que você pode dissolver aquarela comum e colocar dentro da waterbrush, porque ISSO VAI DAR ERRADO.
Algumas marcas de aquarela líquida. Não são as únicas, mas saiba que existem! A Corfix tem a linha Aqualine e a Talens tem a lendária Ecoline. A maioria das marcas tem uma boa gama de cores à disposição, e variações de preço que são inacreditáveis.


OBSERVAÇÃO: a linha Drawing Ink da Winsor & Newton se trata de tinta líquida e com a exceção de uma ou duas cores dessa linha elas são resistentes a àgua após a secagem, o que as torna mais próximas das tintas acrílicas líquidas, como a caríssima Liquitex (mesmo fabricante do Flow Aid, por sinal), por exemplo. No entanto, as Drawing Inks da W&N são finas e estáveis o bastante para usar na waterbrush e até em aerógrafos!
  • Resumindo: não coloque nenhuma porcaria dentro da sua caneta.
  • Se a sua waterbrush tiver pincel de pelo natural, de tempos em tempos lave com sabão neutro (detergente de louça) e passe um pouco de condicionador de cabelo (qualquer um serve, uma gota resolve). Isso serve para evitar o ressecamento do pelo do pincel natural, o que ajuda que ele não perca a forma tão cedo.
  • Pode ser que algumas cores mais fortes deixem o pincel das waterbrushes permanentemente manchado, mas isso não quer dizer que esteja sujo.
  • Ela é muito prática para trabalhar no sketchbook ou em trabalhos profissionais, dentro e fora de casa. Quadrinistas como Enrico Marini (artista responsável pela hq Batman, O Príncipe Encantado das Trevas) utilizam waterbrush para boa parte da colorização de suas ilustrações, o que pode ser visto no Instagram dele.
Se o pior acontecer e a sua caneta entupir. As canetas de pistão não tem muito o que ser feito, mas as waterbrushes plásticas comuns podem receber o seguinte procedimento: tire toda a água de dentro, lave e deixe a ponteira (sem o reservatório) de molho na água com detergente de louça. Não tente desmontá-la. Após isso, tente ver se ela volta ao normal. Voltou? Ótimo.

Não, ela não voltou ao normal. Repita o procedimento, mas desta vez com água morna. Pegue um alfinete, agulha ou até um clip de papel aberto, e faça como na foto abaixo. Introduza a ponta nesta abertura, não vai entrar muito, então não force! É nesta abertura que o sedimento que está entupindo sua caneta pode acumular, e é assim que se desentope. Tente ver se ela voltou ao normal.

Aqui eu deixei algumas fotos para clarificar o que disse antes.
Pode ser que a sua caneta, mesmo desentupida, se comporte de um jeito diferente de antes, mas pelo menos ela ganhou mais um tempo e vai se aposentar com honra!! xD

Onde encontrar as waterbrushes? Primeiro, fique ligado que elas são chamadas também de "pincel com reservatório" e "aqua brush", e já é possível encontrar no Brasil nas lojas online (a versão limpa e a que vem carregada com tinta nanquim líquida). As minhas atuais são genéricas que pedi de fora, através do AliExpress (era bem mais barato para mim), mas já vi para vender no Wish.

POLÊMICA: tem pessoas (cof cof) que riem do uso da waterbrush. Bom, o fato é que ela foi criada com uma função e conceito (portabilidade e praticidade), e cumpre esta função, e até migrou para outras utilidades. É uma ferramenta de desenho e pintura, e por sinal muito versátil - em especial para quem não está pintando em casa e não quer andar com uma parafernalha infernal.

POLÊMICA 2: waterbrush é trapaça? Por que seria? É um pincel que funciona com água, e obedece praticamente a mesma mecânica de um pincel comum. Podem dormir em paz, amiguinhos, waterbrush não é trapaça.

POLÊMICA 3: waterbrush é melhor e/ou superior do que o pincel tradicional? Os artistas mais pau-no-cu e posers que querem pagar de tradicionais vão dizer que pincel é melhor. Eu vou te dizer que o melhor é o que é melhor para você, então se você tiver oportunidade, experimente e tire suas próprias conclusões. Cada material tem suas particularidades e aqui isso não é diferente.

Estava resistindo bravamente a citar Maquiavel no final deste post, mas o fato é que SIM, os fins justificam os meios. Eu NÃO parei de usar pincéis tradicionais no meu trabalho, não vou parar, e muito menos deixo de usar a waterbrush por causa disso. Pelo contrário, ela acaba adquirindo outras funções práticas aqui - uma aquarela rapidinha no sketchbook, pintura de detalhes, etc - , e se estas funções acrescentam de modo positivo ao resultado final e a minha experiência, eu vou manter. Sendo assim, se for a sua escolha, coloca a waterbrush no bolso e corre pro abraço! :B

PSIU: nem todas as imagens usadas neste post são minhas, mas eu precisava mostrar o bagulho!

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